sábado, novembro 05, 2005

 

O repórter (Bob Woodward - para a Revista Imprensa, edição Novembro de 2005)

Um silêncio respeitoso tomou conta da sala de jantar na sede do Washington Post, quando o homem grisalho e elegante entrou, em uma tarde de setembro. “Posso sentar aqui?”, pergunta, com voz poderosa. “Claro.”
É Bob Woodward. Ao lado de Carl Bernstein, escreveu a série de matérias que culminaram com a renúncia do presidente dos Estados Unidos Richard Nixon, em 1974. A cobertura do caso Watergate foi registrada sob o nome de “Todos os Homens do Presidente” em livro e filme - com Robert Redford e Dustin Hoffman -, e é talvez o mais clássico e bem-sucedido exemplo de investigação na história do jornalismo moderno.
Bob Woodward poderia ser um dos grandes nomes do passado, mas não. Desde então, continuou como repórter e escreveu dez livros, nove dos quais foram o número 1 em vendas nos EUA. Em 2002, recebeu pela cobertura do 11 de Setembro seu segundo prêmio Pulitzer - o primeiro foi pelo Watergate, em 1973 -, maior honraria do jornalismo Americano.
Foi descrito pelo The Wall Street Journal como “o mais celebrado jornalista desta era” e pela TV CBS como “o melhor repórter de nosso tempo. Talvez o melhor de todos os tempos.”
O Washington Post, diário que ajudou a tornar um dos mais prestigiados do país, o mantém como patrimônio há 32 anos. Goza do título de repórter e editor-executivo-assistente, mas vai ‘a redação menos de dez vezes por ano. Trabalha a maior parte do tempo em casa, em seus livros, e escolhe as poucas matérias que escreve por ano para o Post.
Ele chama o jornal de sua família.
Convidado ilustre do almoço oferecido a nove bolsistas do World Press Institute*, do qual a Imprensa participou, o reservado Woodward é celebridade mesmo entre os colegas de redação. ‘A mesa estavam o veterano colunista político do Post David Broder; o correspondente na Casa Branca Dan Balz; o editor de domingo, James Rowe; o subeditor de Internacional, Peter Eisner; e os premiados repórteres especiais Scott Higham e James Grimaldi. Mas as atenções pareciam ser dirigidas a Woodward. Todos, mesmo os do Post, queriam saber dele sobre Garganta Profunda, presidente Bush, jornalismo. Polido, aos poucos passou a transferir as perguntas. Ao fim do encontro, dois jornalistas lhe pediram que autografasse seus livros: um deles era o repórter especial do Post Scott Higham, vencedor do Pulitzer de Reportagem Investigativa em 2002. “Encontrei esta primeira edição de Todos os Homens do Presidente no porão.”
Dos últimos três livros, dois foram sobre George W. Bush e suas guerras: Bush em Guerra, sobre o 11 de Setembro e o conflito no Afeganistão, e Plano de Ataque, sobre a invasão ao Iraque. Seu estilo é revelar os bastidores da tomada de decisões na cúpula do poder com precisão e riqueza de detalhes impressionantes. A nota aos leitores é uma pequena aula de jornalismo. Descreve o processo de apuração, como obteve as informações, quantas pessoas entrevistou, se em on ou off - usa a expressão on background: pode usar a informação, mas não revelar a fonte. “Atribuí pensamentos, conclusões e sentimentos aos participantes. Estes vieram ou da própria pessoa, de um colega diretamente ligado a ele ou de documentos, confidenciais ou não”, explica no início de Bush em Guerra.
Woodward está sempre na TV, falando sobre política e seus livros. Há quem ache que se tornou conservador e que soa como se defendesse Bush. Não parece.
O livro mais recente é The Secret Man: The Story of Watergate’s Deep Throat. Conta a história de como o jovem oficial da Marinha, formado em Yale e que queria ser advogado, resolveu virar repórter - talvez em parte por influência de um senhor esguio e elegante que cruzou seu caminho em uma sala da Casa Branca. Concedeu-lhe minutos de atenção e o cartão de visitas. Era do FBI e seu nome era Mark Felt. Pode chamá-lo de Deep Throat, Garganta Profunda.
Woodward não sabia então, mas esse homem mudaria sua vida.
Seria anos depois, como vice-diretor do FBI, peça-chave na montagem do quebra-cabeças do Washington Post que levou à renúncia de Nixon, após demonstrada a participação dos principais assessores presidenciais num esquema de espionagem e sabotagem dos Democratas pelos Republicanos de Nixon, na campanha eleitoral.
O segredo da verdadeira identidade do Deep Throat foi guardado por apenas três pessoas por mais de 30 anos: Woodward, Bernstein e Ben Bradley, editor do Post de 1965 a 1991. Os repórteres investigativos Higham e Grimaldi contam com deferência que usam o exemplo de Woodward em seu favor para quebrar a resistência de fontes temerosas em colaborar. “O Post manteve a palavra por mais de 30 anos, por que não manteria novamente?”
Em junho, aos 91 anos, Mark Felt resolveu se anunciar; não ao Washington Post, mas à revista Vanity Fair, cujo editor é justamente Carl Bernstein - que não foi informado da matéria. Woodward jura que não ficou bravo com Felt, que julga estar mentalmente desequilibrado, e se diz de certa maneira aliviado. “Fiquei surpreso, não preciso nem dizer, e preocupado se tinha sido realmente ele ou a família que fez ele dizer isso.”
No dia em que a reportagem saiu, Bernstein voou de Nova Iorque para Washington D.C.. Os três se encontraram na sede do jornal, e se deram um longo e emocionado abraço na redação.
“Um editor veio até mim, me agarrou pelo pescoço e disse: Acabou, Bob!”


Na entrevista que você vai ler abaixo, concedida ‘a Imprensa e aos jornalistas do WPI, Woodward fala de jornalismo, Garganta Profunda e descreve George W. Bush com ironia mas precisão journalistica, usando exemplos anedóticos da simploriedade das respostas do presidente.

* O World Press Institute (worldpressinstitute.org) é uma organização independente, sem fins lucrativos, que leva anualmente dez jornalistas aos Estados Unidos para bolsa de quatro meses sobre Liberdade de Imprensa, Jornalismo e diversos aspectos da cultura americana. O programa, baseado no Macalester College, em Minnesota, inclui viagens a mais de dez estados, seminários de Jornalismo, visitas aos principais meios de comunicação dos EUA, a universidades, instituições federais e fundações. Não recebe recursos do governo americano.
Entre os brasileiros que participaram do programa estão o âncora Lucas Mendes (1969) e Caio Blinder (1986), ambos atualmente no programa Manhattan Connection, o correspondente do Estado de S.Paulo em Londres, João Fábio Caminoto (1996), e a editora de Treinamento da Folha de S.Paulo, Ana Estela de Souza Pinto (1995).

PING-PONG
O sr. ficou chateado com o fato de Mark Felt ter revelado ser o Garganta Profunda a outra pessoa, sem avisá-lo?
De maneira nenhuma. Fiquei surpreso, não preciso dizer, e preocupado, sem saber se tinha sido uma decisão dele mesmo ou de sua família. Me dei conta de que tudo tinha acabado quando um editor me agarrou pelo pescoço na redação e disse: ‘Acabou, Bob!’. A gente confirmou que ele tinha falado mesmo naquele dia. Foi bom, porque acabou com muito mistério. Agora que todo mundo sabe, fica claro que era ele e que era óbvio. Foi melhor que tenha acontecido agora do que depois que ele tivesse morrido. Ele não está são, tem aquele olhar senil. Não fiquei chateado, mas preocupado com ele. Tanto meu advogado quanto Ben Bradlee (editor do Post durante o Caso Watergate e por 26 anos - 1965-1991) disseram a mesma coisa: ‘É uma pessoa com uma doença mental.’
Existe alguma lição de todo esse episódio?
No fim das contas, fiquei satisfeito com o desfecho. É a demonstração de que você pode ter um relacionamento com uma fonte, manter sua palavra, fazer bem o seu trabalho e obter informação importante de fontes confidenciais. É um ótimo precedente e uma prova para outras fontes de que você vai manter a sua palavra.
Como o sr. se prepara para uma entrevista?
Quando me preparo para uma entrevista, procuro saber exatamente o que quero, do que estou atrás, e tento deixar isso claro ao entrevistado. Quando pergunto sobre fatos, estou interessado em saber como a pessoa e os outros se sentiram naquele momento e por quê. Carrego sempre dois gravadores. Não confio em mim mesmo (ri).
Quando fui entrevistar o presidente Bush para um dos livros, preparei um memorando de 21 páginas para ele e Condy (Condoleeza, secretária de Estado, chanceler) Rice. Queria saber se estava certo e ter a chance de ele me confirmar ou não minha apuração. A recepção geral entre os colegas foi uma grande gargalhada. ‘Ele nunca leu nada na vida inteira’, me diziam. Mas ele leu. E porque fomos em detalhe checando o memorando eu pude pôr tudo em on, citando suas palavras.
O sr. poderia comentar o seu método de apuração e entrevista?
Um método que uso é o de reentrevistar as pessoas várias vezes. Algumas coisas elas nunca vão nos dizer. Em geral, sabemos muito pouco do que acontece no governo. Um alto personagem me disse que depois do meu livro Plano de Ataque (sobre os bastidores e as decisões sobre a invasão do Iraque), sabe-se mais ou menos 70% do que aconteceu no Iraque. O resto talvez nunca saibamos. Pode ser que nunca apareça. Também ouvi o seguinte sobre o livro: “Esta é uma história do que aconteceu. Mas você faz parecer ter mais coerência do que o fato em si, na verdade.
Quais as diferenças entre o jornalismo investigativo na época do Watergate hoje?
Acho que hoje o negócio está mais impaciente. Carl Bernstein e eu trabalhávamos na história por semanas antes de publicar. Hoje, cada vez mais gasta-se menos tempo em coisas que deveríamos gastar mais tempo. Você precisa ter uma mistura de background information (informação dos bastidores, off) e on the record. E isso toma tempo.
O sr. entrevistou o presidente George Bush e seus principais auxiliaries diversas vezes para seus livros. Na sua opinião, ele toma suas próprias decisões ou é guiado por ministros e assessores?
Estou certo de que ele toma suas próprias decisões. A resposta ao 11 de Setembro veio na maior parte de sua cabeça, foram suas as decisões. E muita gente no gabinete de Guerra da Casa Branca gostou da idéia de que tenha sido a decisão de outra pessoa. Como mostro nos livros, ele se envolve nos detalhes, como poucos, e se orgulhava de dizer que sabia cada detalhe das operações, porque ele estava em todas as reuniões importantes em que as decisões foram tomadas. No começo estava muito inseguro, mas depois, na cabeça dele, não havia ninguém que soubesse mais de 11 de setembro que ele. Ele estava no centro de tudo. ‘Posso dizer o que eu quiser, me envolvi, estive em todas as reuniões sobre o assunto’, me disse.
Mas às vezes falta alguém que o alerte, como no caso do furacão Katrina - um erro de Inteligência (informação), como o 11 de Setembro. Faltou a Bush alguém em Nova Orleans que ele teria se o furacão fosse em Texas ou Alabama, alguém que ligasse para ele e dissesse: 'George, get your ass down here! Vem para cá agora!' (ri)
Como o sr. analisa o presidente Bush?
Bush é muito objetivo. Dá respostas de 30s, 40s, vai direto ao ponto. Ele não gosta de jogar pequeno, gosta de coisas grandes, de transformações. Ele não admite seus erros, é parte de sua personalidade, mas ele aprende a partir dos erros. Saí de uma entrevista com o presidente Bush e fiquei surpreso por poder perguntar cinco vezes mais coisas que tinha planejado e estavam no memorando. Nenhum limite de tempo. No final ele disse: ‘Se quiser voltar, volte quando quiser!’ Ben Bradlee (ex-editor do Washington Post) me perguntou: ‘E aí, pegou ele na mentira?’ Mas ele é muito confiante, acredita no que faz e diz.
Qual a importância da religiosidade do presidente Bush em sua administração?
Bush tem uma linguagem corporal religiosa. Eu o pressionei por dez minutos para saber que tipo de conselho recebeu do pai (o ex-presidente George Bush) antes de ir 'a guerra contra o Iraque. Ele escapava pela tangente. ‘Falo com ele regularmente, não especificamente sobre isso.’ Até que uma hora, ele disse: ‘Quando se trata de força, eu apelo a um Pai superior.’ Comentei isso com Condy Rice e ela riu. ‘Você vive em uma bolha. É verdade, e é a mensagem que ele quer passar.’ Ele é claramente sincero e genuíno e acredita nisso. Ele tem mais camadas e é muito mais complexo que as pessoas pensam.
Quais vão ser as consequências da gestão Bush para o futuro?Perguntei ao presidente como a História o julgaria em 30 ou 40 anos, sobre a Guerra do Iraque. Ele estava no Salão Oval da Casa Branca, mãos nos bolsos. Ele tirou as mãos dos bolsos, abriu os braços, mãos espalmadas. 'História? História?... nunca saberemos. Estaremos todos mortos.' (Woodward ri) É interessante que ele tenha conseguido fazer as coisas e definir uma era sem debater as coisas. Os republicanos controlam o Congresso e a Casa Branca. Bush tem muitas camadas que não aparecem 'a primeira vista. E não sabemos o que vai acontecer e o que vai resultar de tudo isso. Imagine se daqui a 30 ou 40 anos houver mais estabilidade, menos terrorismo e democracia no Iraque. O que se vai pensar?

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