sexta-feira, outubro 07, 2005

 

A vida é dura na cadeia

Trabalho é obrigatório, presos não tem visita íntima e agentes dizem que serviço é uma moleza

RAPHAEL GOMIDE
Atlanta, Geórgia (Estados Unidos)
“Isso aqui não tem nada a ver com os filmes. Aquilo é pura ficção”, avisa logo o comunicativo tenente S. Daniel, agente penitenciário há 15 anos, que não gosta de filmes de prisão. A penitenciária federal (United States Penitentiary, USP) de segurança máxima em Atlanta (Geórgia), uma das maiores do País, realmente não lembra o clima pesado de gangues rivais em guerra, brigas iminentes durante o almoço e assassinatos a cada meia hora. Também não se assemelha ‘as prisões brasileiras, com suas rebeliões, reféns e drogas. Não é que se trate de um paraíso e nada disso aconteça, mas a impressão é de controle total - pelo sistema penitenciário. A última grande rebelião, com reféns, aconteceu em 1989 e durou 11 dias.
Os agentes, todos com nível superior, vestem paletó e gravata, não sofrem de estresse e ganham de US$ 34 mil até US$ 60 mil por ano. “Não temos muitos grandes problemas aqui, nossa equipe é experiente. Esse trabalho é uma moleza”, diz Daniel, surpreso ao saber que, no Brasil, seus colegas têm alto nível de estresse e alcoolismo, rebeliões são frequentes, e drogas e armas entram nas cadeias com anuência deles. Outros quatro guardas, , sorriso no rosto e semblante relaxado, deram respostas semelhantes sobre a tranquilidade no emprego.
Se é verdade, o mesmo não pode ser dito dos presos, a maioria com sentenças de mais de dez anos de confinamento ou prisão perpétua, em segurança máxima. Apesar do ambiente limpo - o chão dos salões internos brilha -, de dividirem celas de 7 metros quadrados com apenas um interno e poderem circular na galeria e assistir a TV comunitária o dia todo, os 2.400 presos da USP não têm o que celebrar. Uniformizados, todos são obrigados a trabalhar 7h30 diárias em um dos ofícios disponíveis na prisão, como a fabricação de colchões para agências federais, Forças Armadas e calças camufladas de combate para o Exército Americano (US$ 29,75 cada par).
Diferentemente das prisões do Brasil, ninguém tem a pena reduzida em um dia a cada três trabalhados. A sentença do juiz não diminui. Ganham de 22 centavos de dólar por hora até US$ 1.15, no melhor dos casos, dependendo do serviço - o salário mínimo por hora na Geórgia é US$ 5.15. Muitos mantém a família da prisão, uns investem; outros economizam para quando saírem. O salário médio é de US$ 300 (R$ ). “Eles são extremamente bons no que fazem”, diz Lizette Quiles, ex-militar e hoje gerente da fábrica Atlanta Colchões, cujos 600 funcionários fazem 10 mil peças por mês em um galpão de 100m x 100m. Há lista de espera para atuar lá. Com o furacão Katrina, a produção aumentou e internos ganharam horas-extras, pagas em dobro.
Os presos têm direito a visitas duas vezes por semana, só podem falar ao telefone por 15 minutos seguidos, com cartões telefônicos. “A ligação cai”, explica um agente.
Nada de visitas íntimas. Isso pode significar anos e anos sem sexo. Masturbação também é considerada uma “violação” das regras e rende punição na “unidade de segregação” - 23 horas trancado e uma hora de recreação por dia. O objetivo é evitar o assédio de agentes femininas por internos. “Alguns têm desordem mental e sexual e esperam uma agente passar para fazer isso”, explica a séria capitã-secretária Tovia White. “Como mulher, você tem de exigir respeito dos internos: não quero ouvir ‘qualé?’, ‘E aí?’. Tem de me chamar de Sra. White ou Sra. Thomas, meu nome de solteira. Eles sabem que posso escrever um relatório de incidente. Também evito passar entre eles quando estão em grupo, porque posso ser tocada e é difícil saber quem foi.”
Mas em geral, os presos sabem se portar, dizem os agentes. “Os mais velhos seguram os mais novos”, diz o tenente Darryl Elder, formado em Contabilidade e ex-fuzileiro naval.
Tentativas de fuga da prisão são raras, mas acontecem, como em qualquer lugar. A última foi há dois meses. “Eles são muito engenhosos, você não acredita o que eles são capazes. Fazem cordas de papel higiênico molhado”, conta Tovia. Para evitá-las, além de punição exemplar para os flagrados, a penitenciária ostenta muros de 14 metros de altura, com cercas cortantes no topo. A guarda nas cabines dispõe de fuzis M-16, pistolas 9mm e escopetas, armas também usadas para tiros de alerta a fim de dispersar brigas. Os muros de 1,5m na base e 40cm no topo. Correntes de aço cruzadas acima do pátio impedem fugas espetaculares de helicóptero, como a de Escadinha de Ilha Grande, nos anos 1980.
Toda a tecnologia não faz de criminosos bons-moços, e apesar de não dispor de estatísticas oficiais, o grau de reincidência não é baixo, diz Daniel, 15 anos de atividade. “Vejo muitos voltarem. Pergunto: ‘Você não acabou de sair daqui há dois anos?’. Eles sempre têm uma história, uma explicação. Um me disse: ‘Saí com um amigo que teve uma briga. Disseram que fui eu e acabei preso.’ Respondo: ’Você acha que sou burro ou só tenho cara de burro?’ Se você foi preso e disseram que você agrediu alguém, as chances são de que você realmente agrediu, e talvez nem houvesse amigo nenhum’. O nome do jogo é ‘Não seja pego’. Se o cara foi pego, perdeu o jogo.”

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