sexta-feira, outubro 07, 2005

 

A História do Contador, ou O Contador de Histórias

Charles Severance, afável e articulado grisalho de 49 anos, se formou como contador público em Atlanta, Geórgia, onde vive até hoje. Na verdade, há 3 anos e quatro meses Severance se mudou da casa onde morava, com mulher e dois filhos. Vive hoje em uma cela da Atlanta Camp, prisão de segurança mínima no complexo da USP, de segurança máxima. A mudança não foi planejada nem desejada; o contador fraudou o fisco, crime de sonegação de imposto de renda - 'colarinho branco' -, e foi preso. Julgado, acabou condenado a 65 meses (cinco anos e cinco meses) de prisão, sentença já reduzida a 57 meses. "Foi muito injusto. Era para eu pegar de 21 a 26 meses", garante. Cumpriu 40, faltam 17. "Já me sinto na boca para sair".
A vida na Atlanta Camp não é tão rigorosa quanto na USP. De tão 'branda' em comparação com a vizinha, a cadeia é conhecida como 'Club Fed', alusão ‘a rede de resorts Club Med. Lá ficam presos primários e com sentenças mais curtas, ou outros que se qualificaram por bom comportamento e redução de pena. "Em muitas cadeias desse gênero, não há nem muros: pintam uma linha no chão que é o limite", explica o tenente E. Daniel.
Severance se apressa em dar uma explicação para o seu encarceramento. "Minha mulher sofre de esclerose múltipla e usei todo o dinheiro dos meus clientes para o tratamento dela, porque o plano de saúde não cobria os remédios nos primeiros quatro anos. Eu pegava o dinheiro e atrasava o pagamento ao fisco. Mas pagava e tinha devolvido quase tudo quando fui pego. Foi por uma causa nobre, mas sabia que estava errado e que era ilegal", conta. Ele jura que a história é real, descreve os sintomas da mulher, que diz viver em cadeira de rodas, com lesões no cérebro por conta da doença. Segundo Severance, a mulher não o perdoa, se separou após a prisão e impede seu contato com os dois filhos, de 13 e 18 anos, que não vê desde a prisão.
O tenente E. Daniel, que supervisionou o trabalho do preso desconfia da história contada ao DIA. "O crime dele é sonegação, mas, pelo que sei, ele não tem mulher nenhuma doente nem ela tem nada a ver com a história. Os detentos inventam de tudo".
O mais difícil da vida na prisão, para Severance, é enfrentar o tédio. "Não é real como os dias passam devagar aqua dentro. Trabalho por uma ou duas horas limpando o vestiário. Depois não tenho nada para fazer. Vivo um dia por vez, só penso em hoje. E mesmo para passar cada dia, tento compartimentar meu tempo, e a cada duas horas, mudo de atividade: trabalho, faço exercício, leio muito e escrevo cartas para meus amigos e família. Não vou escrever nenhum livro, porque não quero reviver isso aqui."
Nos momentos de depressão, chora no escuro, em silêncio. "Aprendi a não deixar ninguém ver. Todo mundo chora. Quando as luzes se apagam, enfio a cabeça no travesseiro e choro. Sinto falta da minha vida."
Ele diz que o ambiente da prisão é muito negativo. Reclama de segregação racial entre os próprios detentos e de que os agentes fazem com que os presos se sintam pior, com gritos e humilhações. "Somos como gado, propriedades deles. Eles implicam, mandam você andar do outro lado. Na vez seguinte, fazem o contrário. É só para encher o saco. O tenente Daniel, por exemplo, é um dos piores. Ele gosta de mim, mas todo mundo morre de medo dele." O contador, porém, consegue ver benefícios da temporada na cadeia. "Tem coisas boas; passei a valorizar a vida muito mais, fiz bons amigos que quero rever depois, e me tornei mais humilde - era bem-sucedido e meio arrogante. Não vou voltar para cá, aprendi a lição", ri.
Ele já sabe qual é a primeira coisa que vai fazer quando sair da cadeia.
"Quero ver meus filhos. Vai ser estranho. Poder dirigir meu carro e parar em um sinal vermelho, e decidir depois se vou para a direita ou para a esquerda, poder ter a liberdade de escolher o que fazer. Vai ser ótimo."

ESTUDO COM DISCIPLINA
Trabalhar não é a única opção para os detentos da US Penitenciária de Atlanta. Como boa parte não completou os estudos, a prisão é uma oportunidade de fazer bom uso do tempo, que demora a passar. A escola também é obrigatória - como o trabalho. Se o preso recusar um ou outro tem como opção ficar na cela o dia todo. No ano passado, 80 completaram o nível médio em regime de supletivo, em aulas de 13h ‘as 18h.
“Muitos choram de alegria quando se formam. Eles fazem questão de tirar uma foto de formatura. Para alguns, essa é a única conquista e vitória na vida”, diz a professora Darlene Williams, supervisora da escola.
Os presos não perdem dinheiro por ir estudar. Também recebem, o equivalente ao nível 1 de pagamento por trabalho - para frequentar as aulas.
Entre os cursos disponíveis, além das matérias tradicionais, treinamento de como se portar em uma entrevista de emprego. Nas paredes, cartazes com dicas de como se elaborar um currículo - “faça em apenas uma página”, “inclua detalhes importantes, como fluência em Espanhol, por exemplo”.
A professora Darlene diz que se tivesse que optar entre ensinar na prisão ou nas ruas preferiria a cadeia. “Não toleramos nenhum tipo de indisciplina, e aqui eles sabem que podem ser expulsos da escola, diferente do que acontece lá fora. Também acho que os internos são mais focados e concentrados no estudo”, explica.
Embora a maioria dos alunos esteja em níveis elementares ou médio, há os que se candidatam a bolsas de estudos em universidades. Os cursos são ‘a distância, em programas por correspondência. “Atualmente são 12, em áreas diferentes, como Administração e Psicologia. Ajudamos a enviar o currículo e as provas. Avisamos ‘a escola que todo o material passará por nós.”

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